CALLE MAZA


(...)
regados
d' vinho
amor
sonhos
quadras
milongas
e mãos entrelaçadas
gardelizamo-nos.

SERTANEJA


- era sertaneja e lavadeira
parida e criada nas águas do velho chico -

Acordava ao raiar do sol;
lavava sua noite, sua tarde, seu dia;
areava até o que antevia;
(era seu vosso pão. era filha, filho, cria)
esgotada dormia; renascia.

Era assim tudo que amanhecia:
de mão,
de Oxum,
de Oxossi
e poesia.

Era luta de mulher. E ela sabia.
Era gozo feminino para todo santo dia.

À ESPERA DELA


Aprumei face nos braços do destino dela,
entregando sina
à brisa duma manhã ruidosa.

- havia terra, água e ar; faltava fogo -

Saí por aí calcando passos
sobre folhas ventadas pelo vento.

- repousaram-me sobre a areia -

Projetei-me sobre águas agitadas pelo tempo,
engenhando trilhos para felicidade auspiciada.

- enxergava-a nua e crua. era espelho n'água -

À meia voz, invoquei mãe-d'água,
requerendo sal nas vestes vestidas por mim.

- evaporariam com o tempo. sobrariam pele, sal... e ela –

Desfrutei frutas paridas
pelo verde veludo dos campos,
sossegando facho à sombra dum coqueiro-pissandó.

- o sol se pôs -

Dispensei sono nesta noite de sonho e vilania,
rogando pele às vistas d'um amor desmesurado.

- ela se compôs -

Faltaram terra, água e ar por todos os cantos;
sobraram corpos engravidados de desejo.

- fez-se fogo entre nós -

Engravetamo-nos eu, ela e a lua cheia.

- molhou-se tudo aos sóis –

Sobraram cheiro, pétalas e poucos espinhos.

(em meu peito, ela se decompôs)


Aperriado, danava a deitar vistas no mundo celestial, desenhando, com esmero, nuvens silenciadas pelo sol. Mas o dia quedou-se inerte às dezoito horas. A noite estava por vir. Despedindo-me das imaginações em forma de nuvens, desejava, agora, a cortesia duma estrela cadente. Mas passava o tempo e nada. Nada de nuvens, nada de estrela cadente. Só sonho e mais nada. Ressentido pelo desprezo celestial, restava-me o consolo do infinito troposférico. Observava detidamente cada facho de luz perdida, mensurando, com exatidão, diâmetro, comprimento e intensidade astrológicos. Media, exaustivamente, cada cisco de luminosidade espacial, tecendo, com galhardia, contas e números na ponta dos dedos. Acreditava, cegamente, que nos astros os sonhos se amoldavam, se realizavam, bastando, para tanto, encaixá-los em sua respectiva luminosidade. Mas os números me entristeciam... (era o destino de toda conta popular). Sonhos eram inexatos; estrelas e números, não. Sonhos precisavam de estrelas; estrelas e números, não. E a lua, enquanto isso, solidária com os pedidos carentes de estrela, enchia-se de sonhos desestrelados... (enchia, crescia, minguava, enchia). Renascia periodicamente cheia. Fazia-se cheia. Fazia-se medida de todo sonho. E todo sonho se fazia real, mesmo que espiritual, abrindo vaga para novos sonhos. Era noite de lua cheia. Era noite de realização, de lual. Era sonho lunar. E cabia a mim, pisciano que sou, sonhar, sonhar, sonhar... à espera da próxima lua cheia. Ou, quem sabe, por uma vaga na próxima constelação...

Filhas da Rua


Sorvendo
Segredos
Receios
E anseios infantis
Indagava-se ela
Face ao reluzir das estrelas:

Quem há de cadenciar minhas preces paridas pela terra?

Vinícius


Papéis,
Pincéis
E rimas de boemia.

Tinteiros de paixão,
Vida de poesia.

Nudez


Despiu-se
De versos,
Risos,
Pudores
E galhardia.

Fez-se d'um dia
Eterna poesia.

Lilás


Pediu brisa ao vento,
Atrovoou tormento
E rodopiou olhares,
Atormentando,
Num só giro de ares,
Trilhas e lares de quem por sobre si
Deitava as vistas.

Mas de nada adiantava encorajar-se
Dependurada e só.

Extasiada das facilidades
oferecidas pelo galho,
Arremessou-se
Feito fruta madura de guerra,
Semeando,
Junto às outras filhas da terra,
Sementes de orgasmo
Ao som de cirandas de orvalho.

Entoaram cores,
Imitaram flores,
Humilharam dores
E germinaram.

Julietizaram prosas
Ergueram rosas,
Alexandraram hordas,
E simonizaram.


Empunharam lágrimas.

Finalmente estava semeado
Solo fértil para novas mulheres.

Mão Dada


Sirene gritou
Poeira assentada
E o que resultou?

Mais-valia e jornada.

O mês relutou
A sina apagada
E o que lhe pagou?

Foi sobra do nada.

Patrão pressionou
O não de mão dada
E o que lhe sobrou?

(respirou fundo)

- Luta e mais nada.

Aporia


Olhar,
Esplendor
E riso sem pudor.

Confluência entre paixão e amor.

Com Ela

Viveria de vento
Entregando-me
Aos ventos de feição
E revirando segredos
Com o sopro das mãos.

Viveria de vento
Descompassando ventos ponteiros
Escravos da hora
E ventanejando sem medo
Da seca e da chuva.

Viveria, enfim,
Demasiadamente de vento
Repousando querência
Na rosa-dos-ventos
E namorando ao pôr-do-sol
No crepúsculo de cada dia.
*Foto por Liana Lisboa

Hodierna


É difusa, é segredo,
É desejo, é querela.
É menina, é presente,
É futuro, é janela.

És passagem, és desamor,
És pretérito?

Já era.

É difusa, é segredo,
É desejo, é querela.
É menina, é presente,
É futuro, é janela.

És você, és lamento,
És passado?

Já era.

Feiras


... rezou o terço da meia-noite, pediu licença aos bichos
E foi dormir acobertado pelo piso pisado de sexta-feira pagã.

Um copo de aguardente aliviado por pingos d'chuva tropical
Assassinava seus sonhos de infância perdida,
Reconstruindo, num gole d'alma esquecida
A fuga de uma sina definida desde a manjedoura de papelão.

Mas clareou. A estrela matutina revelava a escuridão da tua vida.

Despertado pelo desenrolar de portas enferrujadas
E pela sirene de sobras da noite passada,
Catou seus pertences, entornou o resto da bebida abençoada
E foi simbora guiado pelo vermelho das sinaleiras.

Era só mais um dia d'fé para ele. Era.
Sábados e domingos nunca lhe fizeram diferença.

Sobrenome


Vem, vem sem medo
De enrubescer minha face
Com seu frêmito de sensualidade
Intimidada pela luz.

Vem, vem sem receio de enfrentar-se
Em meus olhos rasgados
Descerrando de seus lábios
Murmúrios emudecidos pela polidez.

Vem, vem se desvelar
Com os desejos de minha generosidade
Que nem sua tênue maioridade
Seria capaz de desencaminhar.

Vem, vem se encorajar
Em derredor de meus braços
Descompassando cios, fios e laços

De tuas esquinas em frenesi.

Mas vem, vem antes
Que o tempo adensado de nós
Abdique de nossos sufrágios
Diferidos pela decência conveniente.

E chegue, chegue mesmo
Sem medo e sem horizontes
Porque tudo, além das palavras
Eu lhe ofereço de sobra e à exaustão.

Chão


Face cálida,
Poeira
E sofrimento.

Vida alimentada de cimento...

Resumindo


Risco,
Rascunho
E rabisco.

Não escrevo, arrisco.

Conto de Gente


(...)

Não sabia ela, contudo, que essa gente
Era gente de verdade, gente mangada
Que nem povo governado por favores
E que fazia das mangas duma rede de pescar
Bordas dum prato raro de comida disputada.

Era gente praga, enfim, gente que acossada à exaustão
Pela tempestade intempestiva de negações de porta,
Recolhia as velas de sua morada sobre lágrimas
E danava a correr, a correr de mãos dadas com o tempo,
Buscando, assim, e só dessa forma mesmo

A estiagem exigida pelo prato do dia seguinte.

Três Reais


No rosto um sorriso afetuoso carregava.
Nas mãos, água e sabão, vosso pão de cada dia.

- Patrão! E esse grau?
- Patrão?

É verdade... ele estava certo.
Seus patrões eram os carros cobertos de sobras desse mundo vil.

Eram. Não são mais.
Na quinta-feira resolveram despedi-lo sem aviso prévio.

(in memoriam de "Robinho")

Anoiteceu


É dia de lua cheia.
Dia de entregar-se à sagrada invenção de Baco
E banhar-se na lascívia de violões sob os pés da rainha das águas.

É dia de lua cheia.
Dia de alumiar-se acalentado pela aprazível brisa do mar
E embalar-se em sono de fazer criança ao ritmo das ondas eternas.

É dia de lua cheia.
Dia de se divertir contando estrelas distraídas
E de despetalar suavemente flores e ramos de bem-me-quer.

É dia de lua cheia.
Dia de viajar sem pressa por entre beijos e seios
E de fazer de curvas e lábios desejados aconchegos da retidão.

É dia de lua cheia.
Dia de adormecer recitando gemidos de amor e poesia
E de desabrochar sonhos na realidade de corpos entrelaçados.

Era dia de lua cheia.
Era.

Num gozo a dois, clareou.

Orfão de Arraia


Sonhos navegam no azul de céus desestrelados
Como que se quisessem, num mergulho, penetrar nuvens
e volatizar realidades.

- Ô moço! Meu carretel é pequeno, não chega às nuvens.
- Mas menino! Espere, espere que um dia as nuvens descem
em forma de gotas.
- Ô moço! Mas se chover minha arraia não voa.
- Ah menino! E quem disse que arraias e realidades foram feitas para voar?

Em meio a buzinas e crianças
Arraias se cortam e se perdem sob fios de alta tensão.

Mais um sonho muda de dono...

Preciso


Precisando do seu
Sigo eu, amando
E precisando o meu.

Preciso amor.
Amor, preciso.

"Era uma vez"


Arrodeada por brinquedos e desejos
Pensava ela, com os olhos clorofilados de silêncio:

O que será de minha venerada singularidade
Sendo eu menina e mulher ao mesmo tempo?

Pinga


Pinga, esparrama
E chora.
Paz e ciência descem pelo gargalo da vida.

Cristal vira cristais
Vidro, vidros
E pessoas, ausência
Como se tudo, assustado com tudo
Disfarçasse a aparência para se proteger de realidades.

É dia de dia
Dia sem segundos, sem minutos, sem horas.
É só mais um dia.
Dia que precipita, mas não molha
Que só embebeda, não alivia.

Pinga, esparrama
E chora.
Paciência sobe com o raiar do dia.

Tudo, até nós, exceto o amor
Um dia evapora.

(espero não precisar mais escrevê-la)

Poesia de Ventre


Espalmando a vida
Arromanceio as palmas
De cada mão
Desvendando, assim
Que do encontro delas
Com o ventre de minha mãe
Nasceram versos
Disfarçados de linhas.

Enlace


Ao ritmo de palmas
E sapateados
Cuícas, suspiros
E cantigas obscenas
Se achegue minha neguinha
Do jeito que só você sabe
Pra vaguear com seu camote
Ao som de bangulê.

Deposto


Em fração de um instante
Aviso-lhe, ó tempo rei
Que logo se aquiete
Sob pena de
Debaixo de tuzina
E cantarejando meus versos
Dourar-lhe a pele
Até que vossa excelência
Tropeçando em ponteiros
E desvanecido de fado
Desista do passamento.

Perigo


Se essa tela fosse
"Amômetro"
E eu a soprasse
Com a mesma intensidade
Que a cama me consome
Ia ser tanto sentimento
Transbordando por aí
Que seu teclado iria ficar
Da cor de meus olhos
Caídos de sono.

Sonho de Primavera


Banhava-se
Com facho de luz
E fios d'água
Como se da rosa do ateneu
Fosse a mais femeal
Das pétalas
Entreverando em mim
No desabrochar do sol
E regressar da lua
Sonho e realidade
De um azulejado
Despertar.

Saravá


Afeito a Ibêji
Resguardo-me em seus olhos
Oh Doú
Fazendo de vossa entidade
Terreiro de meu ecumenismo
Até o dia em que
Passada uma vida airada
Verdejada pelo verde
De sua íris
Só me restem
Pálpebras e cílios.

Primeiros Riscos


Trezentos
E sessenta
E cinco
Em um dia.

Um
Em trezentos
E sessenta
E cinco dias.

Razão passional.
Paixão racional.

Amor.

Soprando


Sem pensar
Tento
E tentando
Penso
Sem tentar
Peço
E pedindo
Tento
Sem pedir
Invento
E inventando
Peço
Sem inventar
Vento
E ventando
Vivo.

Rede e Moinho


Reconto à vida
A vaga recôndita
Que me desacolheu
Desde o dia em que
Debruçado sob o sereno
De minha serenidade
Ingenuidade e despudor
Se aliançaram.

Traduzindo


Da videz, sou um tradutor
No afã de ser protagonista
E assim humanizar
Cada vogal e consoante
Desse período-vida
Feito, desfeito e refeito
De afirmações e interrogações
Exclamações e travessões
Dois pontos e vírgula
Nesse paradoxo cotidiano
De seres número e cifra
Que à vida dão um ritmo
Cheio de dissonantes
Num alienante processo
De reisificação do ser.

Alm'inha


No deserto de minh'alma
Grãos de amor passeiam
Entregues ao sentido errante
De veias e artérias.

No desejo de minh'alma
Sonho e realidade se confundem
Entregues à rebeldia inocente
De uma vida feita de vida

Afeito a desejos e desertos
Amores, sonhos e ilusão
De elixir-grão, respira meu coração.

"Capaexcitação"


Num processo
Desaforado
Regado
A "swing intelectual"
Mas averso
À reprodução
Flores brotam
Em solo concrecionado
Numa simbiose
Atemporal
De porão
Com princípio
Do prazer.

Neguinha-Flor


Inspiro e expiro
Lentamente
Numa rotina de flores
E cercar de olhares
A vida em mim
E assim respiro
Letra por letra
Dessa cinco letras
Do seu nome que li
Num processo incontínuo
De desgarramento
Do passado
E de desprendimento
Do fim
Buscando e achando
Dia após dia
Numa sucessão de luas
De nosso meio-ano
A serena perenidade
Da união.

Insônia


Esfriar da noite
Amanhecer do dia
Às quatro horas
E cinquenta minutos
À madrugada, faço companhia.

Mas ciúme, enciumado que é
E do jeito que só ele sabe
Com sutileza, fustiga, flagela
Censura minha rara cortesia.

Ê ciúme, bicho atentado
Daqueles que enxergam no escuro
Tão belo enlace
De minh’alma errante
Com sua amada madrugada fria.

Pois desista, bicho do mato!
Não vou dormir!
A madrugada já me ensinou
Com singela sabedoria
Que em meio a letras e ventos
E na solidão de uma noite
O caminho é a automedicação
De outras poesias.

Arrisque-se em me atentar
Ó bicho maldito
Que com a frieza da madrugada
Espirro-te para bem longe
Bem longe de mim!

Ah! Enquanto existirem madrugada
Prosa e comentário
Amor, curiosidade e poesia
Aviso-lhe, ó bicho infiel
Que a ti faltará tudo
Exceto a fugacidade
Limitada pelo nascer do sol
E cantar dos pássaros
De um fiel aconchego.

Adormecer da noite
Raiar de um chuvoso dia
Às cinco horas
E quarenta e cinco minutos
À minha cama, farei companhia.

Arritmando


Nesse vai-e-vem
De reminiscências
Cuja memória pudente
Insiste em cultuar
Sobeja o amor
Em recanto silencioso
Numa eterna peleja
Entre as faces ocultas
Da razão e da emoção.

Arriscando


Com a ponta
De meus dedos
Banhada na tintura
De meu coração
Sigo contornando
Letra por letra
Sem ponto
Entornando minh’alma
E rubro-vivendo
Com despudores.

...


Três pontos
E ela
Onde havia
Exclamação
Interrogação
Vírgula
E ponto
Final.