Saravá


Afeito a Ibêji
Resguardo-me em seus olhos
Oh Doú
Fazendo de vossa entidade
Terreiro de meu ecumenismo
Até o dia em que
Passada uma vida airada
Verdejada pelo verde
De sua íris
Só me restem
Pálpebras e cílios.

Primeiros Riscos


Trezentos
E sessenta
E cinco
Em um dia.

Um
Em trezentos
E sessenta
E cinco dias.

Razão passional.
Paixão racional.

Amor.

Soprando


Sem pensar
Tento
E tentando
Penso
Sem tentar
Peço
E pedindo
Tento
Sem pedir
Invento
E inventando
Peço
Sem inventar
Vento
E ventando
Vivo.

Rede e Moinho


Reconto à vida
A vaga recôndita
Que me desacolheu
Desde o dia em que
Debruçado sob o sereno
De minha serenidade
Ingenuidade e despudor
Se aliançaram.

Traduzindo


Da videz, sou um tradutor
No afã de ser protagonista
E assim humanizar
Cada vogal e consoante
Desse período-vida
Feito, desfeito e refeito
De afirmações e interrogações
Exclamações e travessões
Dois pontos e vírgula
Nesse paradoxo cotidiano
De seres número e cifra
Que à vida dão um ritmo
Cheio de dissonantes
Num alienante processo
De reisificação do ser.

Alm'inha


No deserto de minh'alma
Grãos de amor passeiam
Entregues ao sentido errante
De veias e artérias.

No desejo de minh'alma
Sonho e realidade se confundem
Entregues à rebeldia inocente
De uma vida feita de vida

Afeito a desejos e desertos
Amores, sonhos e ilusão
De elixir-grão, respira meu coração.

"Capaexcitação"


Num processo
Desaforado
Regado
A "swing intelectual"
Mas averso
À reprodução
Flores brotam
Em solo concrecionado
Numa simbiose
Atemporal
De porão
Com princípio
Do prazer.

Neguinha-Flor


Inspiro e expiro
Lentamente
Numa rotina de flores
E cercar de olhares
A vida em mim
E assim respiro
Letra por letra
Dessa cinco letras
Do seu nome que li
Num processo incontínuo
De desgarramento
Do passado
E de desprendimento
Do fim
Buscando e achando
Dia após dia
Numa sucessão de luas
De nosso meio-ano
A serena perenidade
Da união.

Insônia


Esfriar da noite
Amanhecer do dia
Às quatro horas
E cinquenta minutos
À madrugada, faço companhia.

Mas ciúme, enciumado que é
E do jeito que só ele sabe
Com sutileza, fustiga, flagela
Censura minha rara cortesia.

Ê ciúme, bicho atentado
Daqueles que enxergam no escuro
Tão belo enlace
De minh’alma errante
Com sua amada madrugada fria.

Pois desista, bicho do mato!
Não vou dormir!
A madrugada já me ensinou
Com singela sabedoria
Que em meio a letras e ventos
E na solidão de uma noite
O caminho é a automedicação
De outras poesias.

Arrisque-se em me atentar
Ó bicho maldito
Que com a frieza da madrugada
Espirro-te para bem longe
Bem longe de mim!

Ah! Enquanto existirem madrugada
Prosa e comentário
Amor, curiosidade e poesia
Aviso-lhe, ó bicho infiel
Que a ti faltará tudo
Exceto a fugacidade
Limitada pelo nascer do sol
E cantar dos pássaros
De um fiel aconchego.

Adormecer da noite
Raiar de um chuvoso dia
Às cinco horas
E quarenta e cinco minutos
À minha cama, farei companhia.

Arritmando


Nesse vai-e-vem
De reminiscências
Cuja memória pudente
Insiste em cultuar
Sobeja o amor
Em recanto silencioso
Numa eterna peleja
Entre as faces ocultas
Da razão e da emoção.

Arriscando


Com a ponta
De meus dedos
Banhada na tintura
De meu coração
Sigo contornando
Letra por letra
Sem ponto
Entornando minh’alma
E rubro-vivendo
Com despudores.

...


Três pontos
E ela
Onde havia
Exclamação
Interrogação
Vírgula
E ponto
Final.