ÉS E CHEIRA

* pintura: Vincent Van Gogh

Tua graça é tua surpresa, imã do amor:
Chega de essência e toma n'alma qualquer
Corpo em vossa inteireza.

Seja terra ou jasmim, rosa, mata,
Trepadeira ou terra molhada,
Tudo,
Todo tipo vale.
Existe e basta em si mesma.
Arrebata-me.

És em mim, sim, perfume de lírio e
Amor; cheiro de pêra, companheira.
És vida, vela, rio que me navega,
Nascente, leito e foz.

És arte,
Sanha,
És exaustão: ardes comigo.

Sorrateira, baixaste âncora;
À prova de fogo, montaste barraco.

SIM?

*pintura: Wassily Kandinsky

e se gastaram à espera
d' gritos e ares:
grito, dois gritos,
gemidos,
pulsares.

olhares?

CORAÇÃO

* pintura: Joan Miró

Sou chuva e sol e uma face marcada
Pelo tempo e pelo que falta chegar.
Sou espera marcada, nuvem, eu.
Sou eu, só eu, minha mulher e um
Quintal carente de crianças e gritos.
Sou estripulias, risos gratuitos,
Pele riscada pela queda, gudes,
Amarelinha e até choro de bebê.
Sou desejo, só. desejos.
Nuvem carregada.

Só falta o tempo virar.

CHOVIA

* pintura: Salvador Dalí

todos desdiziam do
tempo, estava diverso do belo.
desdiziam de gente, do quente, de
tudo, até do sol e da lua e da certeza que
os acompanhava. eram tão certos e incertos
como o dia e a chuva e o que diziam.

seres são sempre assim: retos e imediatos e
por vezes despreparados pros contornos da chuva.

mas todas as cores cruas de chuva se uniram
em torno d' um feixe de luz e vapor. todas as cores
cruas de chuva fingiram ser uma e de uma em uma
viraram várias e de vários tons e de vários orixás.

em verdade, feixavam Oxum, Oxossi, Iansã
e Iemanjá e todas as entidades que achavam
beleza em cada gota de chuva. era tudo uma festa
só: cerimônia, cores, vento e limpeza e o céu não era
céu nem reino, era colorido e ninguém da gente sabia
nem sentia. nada se ouvia, a não ser o grito calado dos
tambores de Orum.

o mundo estava iniciado, benzido, em resguardo feito
inverno; terreiro e vento cantavam; arco-íris renascia:
era a hora, enfim, de se aprender com chuvas, borboletas e aquarelas.

ROSAS VERMELHAS

* pintura: Paul Klee
eram moças e moços
acentuadas e exclamados,
marcadas, engravidados de tudo:
versos
e vida
e tudo o que
restava e faltava ao mundo.

eram moças e moços.
eram.
são.

hoje, cicatrizes na terra; sementes;
gestantes silenciosas de rosas vermelhas.

E DE CADA POESIA


é assim que toda vida se forma:
de extremos
e líquido;
leite
e pão.

é a vida sem forma.
forma.
e é constante.

é de lua a gestação
de cada mulher.

RELATIVO E ABSOLUTO


Mas para ele,
que é nosso,
e basta, mesmo
não sendo exato,
festejo com fé e poesia.

E ele não
cansa,
descansa,
pois finca e não
balança e clama por
nós no limite de cada verso.

Nele acredito, vida,
mesmo sem ver...

E vivo-lhe a contar,
sem mensurar,
posto que na
eternidade de
dois corpos,
amor,
sonhos
e desejo,
todo tempo é
relativo e absoluto.

O MEU

n' é feito
de ventre
nem gera.
não marca
nem libera.
não escorre
nem revela.

só circula.
ama.

SER TÃO


E todo aquele rosto era solo sertanejo:
seco,
chorado
e marcado pelo crer.

- mas a luta vingava a sede pelo ser -

Da mistura de suor,
lágrimas
e barro batido
brotariam palmas em todo anoitecer.

MINHA FLOR, NOSSO DIA


Enfeitava-me de prosa,
cantava feito bossa
e saía bem-te-visitando
entre flores,
cores
e folharia.


Todo espinho se fenecia.


Beijava a flor,
meu amor,
nosso dia.

Até Neruda o versaria.

MAR IA


Vivia de mar,
ar,

e poesia.

Não sabia se era mar,
concha,
lar
ou ventania.

- mas embarcava sempre contra a correnteza -

(e atracaria)

Todo mês sangraria.

ORQUÍDEAS E HORTÊNSIAS


Gotejo e germino.
Inspiro.
Expiro terra com cheiro de chuva.

Em folhas, escrevo.

Retalho-me.

MAR


Da terra
faço céus
das estrelas
pegada
e da letra
poesia.

Singular
pluralizo-me.