ESTRADA

* pintura: Tarsila do Amaral

Pus meus olhos na estrada e segui
vezeiro, era o mesmo e dela não hesitava em
reclamar.
Confiava-lhe, ao menos, fé
inabalável.
Havia, pois, de apreendê-la em forma de
sutilezas,
dominá-la feito luas sobre mar
e recrutá-la sorvendo todas as coisas boas que
de ti poderia absorver.
Sabia que nem toda porta seria porta; 
qualquer canto não seria mais qualquer canto e
até um cisco ao chão cantaria
o novo. 
O fato é que a falta do hoje transcorria em saudades;
em frente ao espelho, enxergava-me nu e cru:
cachoeira forte
redondilhas
Oxum.
Qualquer cão latindo não seria o mesmo cão e 
qualquer gente chamando seria qualquer gente chamando.
E só. 
Será que seria preciso me recompor ao todo, nota a nota, 
escala a escala, de sustenido a bemol?
Haveria de ter o novo, desafinado ou não, mesmo
que o novo fosse reverenciar a cada dia o velho de ontem?

Meu presente, sim, sempre tem me feito futuro e todos
os astros hão de clarear.
É o que dizem os anos, saudade antecipada
meu amor.
Mas em meio ao amor, o que seriam de trovões e
tempestades
raios descompassados pelo vento,
partituras de Orum?

Sei, ao certo, que não existe o que não existe e o que
existe insiste porque é feliz por existir; que toda estrada é
longa, por mais curta que nossa métrica cotidiana possa
metrificar; que todo amor só é amor se sublime a cada dia.

Vejo, enfim, ao largo, a estrada traspassando e eu caminhando
à sua margem. Penso nela.
Penso nela.
Ela existe sozinha. Traspassa. 
Eu tenho o meu amor.

HOMEM BRANQUINHO QUE SABE CANTAR E AMAR

O baba acabou
Bolinha murchara
O campo enlameou
Burguesinho lamentara.
Risos, risos.
A porta cerrou 
Sambinha encerrara
Não tinhas amor
Papai festejara. 
Ufa, ufa.
Pisciano ganhou
Menininho sobrara
Somos samba e amor
Até de madrugada.
Risos, risos.
Teu juiz apitou
Sem direito a mais nada
A ti só restou
Essa simples toada.
Ufa, ufa.
Noite vã clareou
Lhe desejo mais nada
Tenho dela o amor 
Nossa vida versada.

Para sempre.


(merecia ser eterno rascunho às 05:47 a.m.)

OUTRAS

* pintura: Diego Rivera

Despe-se de si
e sai
Despede-se

À noite será
ela


Aquela

À MARGEM

* pintura: Vincent Van Gogh
chuva por
vir
ventou
página

virou